Já falamos do Chile, Alemanha,
França e diversos outros países que
reestatizaram seus serviços de saneamento, energia elétrica, gás, transporte,
entre outros, depois que as empresas que assumiram esta responsabilidade
passaram a cobrar altas tarifas, sem realizar os investimentos necessários e
deixando a população a mercê de um serviço péssima qualidade.
Mas não precisamos ir mundo
longe. No Paraná, o Pedágio, marcado por um contrato mal feito, demagogia
política e escândalos de corrupção, é um exemplo claro de como a privatização
pode ser extremamente prejudicial ao interesse público. Um problema que pode
perdurar ao longo de anos e anos sem que nada possa ser feito a curto e médio
prazo para reverter à situação. Nesse período, você já deve imaginar quem paga
a conta, não é mesmo?! Sim, o povo!
Na década de 90, em meio a crise,
as estradas se deterioravam. Os Estados não tinham dinheiro para realizar
investimentos de infraestrutura. A concessão das estradas para a iniciativa
privada foi colocada pelo Governo Federal como a solução para todos os
problemas. A ideia ganhou força e o Paraná foi um dos primeiros Estados a aderir
a esta medida privatista.
Mas os problemas começaram logo
no início, com a escolha de um modelo de concessão em que a empresa vencedora
não seria aquela que oferecesse a menor tarifa, mas a que apresentasse o plano
para manutenção da maior extensão de estradas, o que claramente oneraria no
valor das tarifas. E isso de fato aconteceu, causando grande revolta por parte
dos motoristas que trafegavam pelas rodovias paranaenses.
Daí pra frente virou uma bola de
neve. Governo após governo, houveram tentativas inclusive judiciais de se
baixar as tarifas ou até mesmo de reestatizar os serviços, mas os contratos tão
bem amarrados não davam brecha para redução nos preços ou mesmo na taxa interna
de retorno que era de 20%, muito acima da praticada em contratos fechados
posteriormente em outros estados que girava em torno 8%.
O pedágio não diminuiu. O Governo
perdeu ações na justiça e, como consequência, as empresas foram desobrigadas a
fazer investimentos que estavam previstos inicialmente, passando a ficar
responsáveis apenas pela manutenção das estradas. No final dos anos 90, início
de 2000, começaram os escândalos de corrupção envolvendo o pedágio com o
pagamento de valores das empresas aos funcionários do Estado para obterem
pareceres favoráveis e para que afrouxassem a fiscalização. Este esquema,
segundo o GAECO (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado),
envolveu até mesmo o então Governador Beto Richa.
Este é um pequeno resumo destes
22 anos. Vale lembrar que temos mais dois pela frente até que o contrato
firmado com as concessionárias, no então Governo de Jaime Lerner, seja finalizado e o controle das estradas
volte para a união.
Até lá a população segue tendo de
conviver com o pedágio mais caro do país, estradas não duplicadas, mal
sinalizadas e muitas delas em péssimas condições de trafegabilidade.
E pensar que essa história pode
se repetir, dessa vez com o saneamento.
Em 22/02/2007, entrou
oficialmente em vigor a Lei nº. 11.445/2007, que estabeleceu diretrizes
nacionais para o saneamento básico no Brasil. Após um longo período de debates,
a Lei veio regular um setor que, apesar da indiscutível relevância, permanecia
sem uma regulação específica. Estabeleceu diretrizes claras quanto a
denominação, titularidade e Entidade reguladora. Deu autonomia para que Estados
e Municípios fechassem os contratos de prestação de serviço com as empresas públicas,
Estaduais ou Municipais, e tem norteado o trabalho destas desde então.
Doze anos depois tivemos avanços
significativos, mas ainda a muito por fazer. Fica claro que o Marco Regulatório
precisa ser atualizado, com a adequação de alguns pontos a nova realidade do
país, mas não da forma como o Governo está fazendo, a toque de caixa, de forma autoritária
e sem um debate adequado e aprofundado com os trabalhadores, Entidades ligadas
ao setor e população em geral.
Arquitetada ainda no Governo de
Michel Temer, na época como Medida Provisória 844 e posteriormente 868, também
conhecidas como MP da Sede e da Conta Alta, o agora PL 3261/19 veio ainda com
mais força. Já teve o relatório aprovado na Comissão Especial e aguarda agora
para ser votada no plenário da Câmara.
Se aprovado, irá escancarar as
portas da privatização do setor de saneamento em nosso país para a iniciativa
privada, retirando a autonomia de Estados e Municípios em definir como será feita
a prestação desses serviços.
O texto do referido PL, assegura
a vigência dos atuais contratos até o prazo final, mas caso as atuais
prestadoras não façam as devidas adequações e cumpram determinadas
condicionantes do contrato, prevê a realização de licitação, com participação
de empresas públicas e privadas, para recontratação dos serviços.
Assim como aconteceu como o
pedágio, a ideia vendida pelo governo de que esta é a solução para todos os
problemas, principalmente para se alcançar a universalização do sistema, não
passa de uma falácia. Isso por que, para a iniciativa privada, só é viável
economicamente atender os municípios maiores e consequentemente mais
lucrativos. Enquanto os menores e menos rentáveis, sem o mecanismo de subsídio
cruzado, usado atualmente, no qual as cidades superavitárias subsidiam as deficitárias,
terão de conviver com um serviço de péssima qualidade, ou nem isso.
Essa mudança poderá impactar
ainda na saúde, com aumento de doenças, muitas das quais erradicadas a muitos
anos de nosso país, e no bolso com os aumentos constantes nas tarifas, afinal
para o setor privado, água é mercadoria, e mercadoria precisa gerar lucro.
É justamente pela defesa de um
serviço, público de qualidade e acessível para todos que temos de nos unir e
pressionar os parlamentares a fim de impedir que este Projeto seja aprovado. Do
contrário teremos de amargar por longos e penosos anos as consequências de mais
este retrocesso.