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Apesar de chuvas, crise hídrica ainda é realidade na grande São Paulo

A crise hídrica que atinge a região metropolitana de São Paulo desde o início de 2014 ainda é uma realidade para paulistanos e moradores de municípios vizinhos da capital paulista. Neste ano, apesar de o rodízio ter sido oficialmente descartado por causa da melhora no regime de chuvas e da redução de consumo adotada pela população, as represas ainda estão em situação crítica

O Sistema Cantareira opera em patamar negativo, tendo registrado -4,2% da capacidade no dia 16 de dezembro. O sistema, que abastecia cerca de 9 milhões de pessoas, hoje atende 5,2 milhões, segundo dados da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp).

O geólogo Pedro Luiz Côrtes, especialista em recursos hídricos da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Nove Julho (Uninove), aponta que o maior volume de chuvas, especialmente em fevereiro e março, trouxe um alento para a situação, classificada como muito crítica no final do ano passado. “Serviu para que a gente conseguisse sair da segunda cota do volume morto e ficasse na primeira cota”, apontou. Ele lembra, no entanto, que a situação está longe da normalidade e, para a população, as medidas de contenção continuam sendo de grande impacto.

O governo insiste que não existe um rodízio, mas na verdade existe, porque você tem sistematicamente vários bairros que, todos os dias, ficam várias horas sem água”, disse, referindo-se à medida de redução da pressão da água na rede de tubulação. A manobra é feita diariamente pela Sabesp em diferentes bairros, o que deixa algumas regiões sem água nas torneiras, especialmente as casas que não contam com caixas d'água. No site da companhia, a população pode acompanhar os bairros e os horários em que serão atingidos pela medida.

O professor Luis Venturi, do departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, avalia que os problemas no abastecimento referem-se, na verdade, a uma crise hídrica gerencial. “Decorrente da incapacidade de mantermos os corpos hídricos [rios] limpos e de tratarmos e distribuirmos toda essa água em um ritmo suficiente para abastecer a demanda”, disse. Ele aponta que, atualmente, apesar de estarem corretas as obras feitas para interligar represas, elas já deveriam estar previstas dentro de um planejamento de curto, médio e longo prazos. “Elas são feitas a toque de caixa para apagar o incêndio”, criticou.

Obras

A principal obra de 2015, entregue em setembro pelo governo estadual, foi a de interligação entre os sistemas Rio Grande e Alto Tietê. Com custo de R$ 130 milhões, o córrego Taiaçupeba-Mirim não suportou o volume de água retirado da represa Billings, previsto para 4 mil litros de água por segundo. Por conta da falha, areas do município de Ribeirão Pires foram alagadas e foi necessário reforçar as margens. Segundo a Sabesp, hoje o bombeamento funciona normalmente, com a capacidade total de transferência.

Outra obra que reforçou a capacidade de abastecimento das represas foi a captação de água do Rio Guaió, entregue em 29 de junho. Atualmente, ela fornece 350 litros de água por segundo para o Sistema Alto Tietê e o volume pode ser ampliado para até mil litros. Parte desta água atende uma parcela da população que era atendida pelo Cantareira. A expectativa do governo estadual para 2016 é a recuperação contínua e gradual dos mananciais. Estão previstos, para o próximo ano, os estudos de captação dos rios Itapanhaú e Alto Juquiá.

Cenário para 2016

O fenômeno El Niño, que contribuiu para um regime de chuvas melhor em 2015, na região Sudeste, também pode levar a um volume maior de tempestades no próximo ano. É o que aponta estudo do Grupo de Eletricidade Atmosférica (Elat) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). “Para o verão de 2015/2016, sujeito a um evento El Niño muito forte – o atual deve ser o terceiro mais forte desde 1950, depois dos eventos de 1983 e 1998 – está previsto um aumento de 20%, em relação ao último verão, na ocorrência de tempestades na região Sudeste, ”, diz nota do grupo.

O doutor em Geofísica e coordenador do Elat, Osmar Pinto Júnior, explica, no entanto, que o volume de água depende especificamente de outro tipo de precipitação: as chuvas não convectivas. Nesse sentido, apesar de ter um efeito no aumento das tempestades, elevando o número de raios, a contribuição para o nível das represas pode não chegar ao percentual previsto. Côrtes lembra que, para sair do volume morto e passar o período de estiagem (a partir de abril) sem precisar da reserva técnica, seria necessário chegar a 35% da capacidade do Cantareira.

“Esse El Niño está prognosticado para terminar em maio, junho do ano que vem. A gente precisa ver qual vai ser o comportamento do clima a partir de meados de 2016 para dizer se o período de chuvas 2016-2017 vai ser bom ou não, a ponto de continuar essa recuperação dos mananciais. A gente tem um alívio, mas ainda é cedo para dizer que estamos efetivamente caminhando para uma solução ou para o término dessa crise”, avaliou Côrtes. A Sabesp estima que a recuperação da reserva técnica ocorra até abril.

Para Venturi, o tempo de recuperação das represas não tem relação com a natureza, mas sim com “a gestão e a velocidade com que se retira água deste corpo hídrico”. Ele aponta que as represas secam não pela falta de chuvas, mas porque o ritmo de retirada é superior ao de reposição. “Como culpar o clima pelo esvaziamento de algumas represas se as outras estão cheias e todas elas estão sob o mesmo clima?”, questiona. Ele usa como exemplo para demonstrar a falta de planejamento na gestão dos recursos hídricos o fato de que a região Amazônica registra os menores índices de acesso à água potável no Brasil, mesmo sendo o local onde há mais água doce no mundo.

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